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Mangueio: contos de semáforo

A partir de R$19,00

Passei por cada linha destes escritos desejando a próxima, que, invariavelmente, me remetia à anterior, na ânsia de absorver, com mais precisão e profundidade, mais e mais do mundo sacro-marginal de gênese eternizada como um epíteto inefável. As tantas vidas contidas nesta coletânea não se podem por ela conter. São rasgos e murros, mordidas de dentes afiados, que rasgam pele, carne, nervos, rompendo ligamentos e dilacerando ossos. A crueza destes tantos mundos adocicam a boca com suor amargo, e, com sangue amaldiçoado, essas histórias purificam seus leitores de toda a inocência. No prazer de ter-me sido confiada a revisão destes escritos, eu me deito e me deleito, esperando a próxima linha, a próxima história, a próxima vida, o próximo murro. Que não se demorem a vir. Claudio Borrelli
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Organizadores
    Autores
      Selo
      Detalhes
      Páginas: 116
      Tamanho: 15x22cm
      Ano de publicação: 2022
      Idioma: Português
      ISBN Físico: 978-65-5399-074-6
      Descrição

      Compunham-no um terninho cinza, uma gravata barata e alegre como as cores da imobiliária. A calça, quente e desconfortável, fazia-o coçar a bunda vulgar e insistentemente. De modo apresentável, tinha de estar sempre em dia com a barba, embora não com os pés, sufocados pelos sapatos e carcomidos pelas frieiras, as unhas encravadas e mortas, enquanto as mãos, persuasivas, ofereciam o melhor lugar do mundo para se morar. Morava de favor”.

      ― Alheio

       

      Os corações andavam meio pragmáticos. Encontros iam se sobrepondo, construindo, sem glórias, um acervo de breves banalidades. Corpos eram descascados e chupados como frutas verdes. Versadas em poesias concretas e casuais, as paixões se revelaram objetivas, sem mistério ou feitiço era natural meramente afeiçoar-se às mais formosas. Ninguém se sentia mais apto a consumir um amor por toda a vida”.

      ― Arapuca II

       

      Demorei a dar conta de que o bolo de figurinhas do campeonato brasileiro já não tinha o mesmo valor, nem o desempenho nas quadras, e a reputação que levou todo o primário para não ser destruída carecia agora de substância feminina. Os maiores, os mais sagazes e inescrupulosos obscuramente tornaram-se próximos, depois organizados em gangues que não admitiam perdedores e veados, e onde se invocavam nomes e históricos de alunas, e as imagens e as partes eram medidas e manuseadas em atos públicos, em ímpetos de afirmação. Vivia eu no entorno deles, excitado com seus feitos e rindo de mim mesmo para reduzir os danos quando minha carcaça desengonçada não passava despercebida. Embora ignorasse o quanto me custaria a adesão, queria gozar o prestígio de ser aceito, de poder sair da sombra, desatar-me de minhas inseguranças solitárias e dizer nós. Se malignos e impiedosos, transbordavam, porém, a coragem de que eu precisava”.

      ― Amar cura gura

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